
O Cego que Vê
Luz.
Ofusca os olhos. Não posso ver…
Mas oiço, oiço-os vir,
Com os corpos deambulando na descrença.
Consigo cheirar os olhos e as lágrimas.
O desprezo e amargo cinismo,
Que nelas se dissolvem e que os deixam tão amorfos
E sós no meio da multidão.
Os meus sentidos aguçam-se,
Guerreando contra quem os deseja suprimir.
A vontade é de me transcender,
de sair nas ondas de um mar imaginário…
Sente-se o frio que deles emana.
Vazios! Vazios como folhas onde se escreve e não se lê.
Apartados da singularidade e da própria vontade
Guiados pelo o que eu menos quero ver.
Sentados, cumprem ordens de mãos maiores,
Mas deixam entre dentes fugir evoluções interiores.
Estão descontentes!
Mas desconhecem que a sua rebeldia é contra o “eu” dos seus espelhos…
Desconhecem mas estão colados à terra suja e vulgar,
Não se aventuram nem querem dentro de si viajar!
Têm tudo e nada lhes é negado...
Mas falta! Falta a vontade, o desejo e a paixão
E é por isso que se sente o cheiro,
Da partida de uma antiga alma,
Que se evadiu e que entra no mecanismo fabril de substituição.
Mecanizados e ligados à central,
Onde ninguém escapa e todos estão ligados.
É difícil a liberdade quando vivem assim acordados,
Mas em sonhos a libertação é possível.
Tão querida…tão esquecida…
E sempre tão mal amada,
Talvez haja quem a ame mas é engolido pela tendência instaurada
Que os enterra e pisa na lama social
Vistos como monstros pelos que verdadeiramente o são, Por aqueles a quem um universo entra pelos olhos,
Mas pouco dele sabem reter.
Censura é história de livros,
Mas há quem a faça reviver cegamente.
Deixam-se levar pela corrente,
Que os pretende afogar eternamente.
Não vejo… Mas oiço e cheiro!
E não é a isto que quero cheirar
Prefiro ser monstro apartado da lama
E poder voar,
Ser,
Ter,
Viver,
Sonhar
Até onde o vento me levar
2006
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