quinta-feira, junho 12, 2008

Tempo


Tempo

Deitado na areia espessa e fria,
Crucificado pelo manto que cobre o céu…
Tanta coisa frui em mim,
Tanta coisa gira a volta deste lugar.
Passando pelos retalhos que o tempo fez no véu
Chegam-me os brilhos e os fogos de outros mundos,
Que alguém deixou para lá do negro da noite…

Todo o meu corpo se entrega ao infinito,
Braços abertos esperando o desconhecido,
Olhos cerrados olhando o mar
E o cheiro do sal e o marulhar da rebentação entram em mim.
Só quero ser parte do areal,
Só quero ser parte do amor entre terra e mar.

Concebo o mundo num todo
E sofro com a minha insignificância exterior,
Enquanto eles saltam e rebolam na areia,
Falando alto sobre coisas sem sentido.
Eu não sou assim…

Eu só quero ser o vento
E ficar ali olhando, escutando, amando.
Eu só quero ser o tempo
E com isso ser e ter tudo.
Parar o dia em que se chora,
Parar a noite em que me falta uma parte da alma,
Parar o mundo que se suicida todos os dias,
Parar a existência e reinventar
Cores, sabores, sensações.
Reescrever o que me foi deixado e ainda ecoa da criação original.
Recriar o verde que um dia foi esperança
E agora não passa de uma cor e de uma palavra em tudo dissociadas.

E vejo a trovoada que urge no negro horizonte azul,
Sinto que o tempo muda mas o existir não.
Pinto o meu corpo em contornos fortes naquela praia,
Para que fique para sempre ali a minha vontade,
A minha força de amar loucamente e tudo o que há num “eu”.
Deixo lá todas as cores que circulam em mim,
Que bombeiam e ilustram o meu coração.
Enterro os tesouros que conheço e mapas para tantos outros,
Planto as sementes da minha vida e dos caminhos para a eternidade,
Lanço ao mar em garrafas mensagens para mundos e lugares distantes,
Segredo ao vento, para que suba ao céu e passe pela noite até ao universo,
Tudo o que sempre guardei e nunca ninguém descobriu.

Espero um pouco mais pela trovoada,
Mas ela ainda demora.
Os clarões ao longe são só o anúncio,
Tal como o que escrevo anuncia o que serei.
Porque hoje ainda não sou o tempo, nem o vento, nem o infinito, nem a eternidade,
Mas os meus passos são para essa escada de degraus de ouro,
Onde cada movimento é a unidade de tempo
E onde homens e deuses se regem pelo mesmo e único ponteiro.
Parto de costas voltadas ao ontem
E deixo ali naquele lugar o amanhã,
Para que o mar o engula e leve para outros paraísos que banhe.
Porque qualquer lugar é eterno e mágico,
Qualquer lugar é inferno e sofrimento,
Mas quem vive para o eterno é mago e alquimista,
Que transforma pedras em ouro,
Dor em luz, sangue em vida…

Ali fica a minha cruz,
Ali fico eu,
À beira do mar que sonho eternamente,
À beira do mundo e da sua gente,
Amor diferente, amor ardente,
Barco alado com viagem para o princípio do fim…


(Ericeira)
Caparica
3.06.2008